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15/01/2015 20:13

PUBLICAÇÃO NO INFORMATIVO JURÍDICO CONSULEX (BRASÍLIA)

Contornos acerca da guarda compartilhada

Resumo: A aplicação da guarda compartilhada, novel instituto, implica em acuidade relevante, com a busca dos mecanismos necessários e à disposição na atualidade. Nesse contexto, o escopo de harmonização trazido deve ser ressaltado, com o que as consequências poderão se revelar salutares aos envolvidos.  

Palavras-chave: Guarda-Compartilhamento-Implicações-Multidisciplinaridade-Reflexos.

Sabidamente, muitas vezes o que é consagrado pela doutrina e a jurisprudência (fontes não formais do Direito) acaba se materializando em lei (fonte formal).

Exemplo cristalino dessa expressão se evidencia pelo teor da novel Lei n.º 11.698/2008 (altera os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil, CC, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada), da qual se revela o fruto de larga construção literária e reiterada aplicação do instituto pelos nossos Tribunais.

À guisa de prolegômenos, relembre-se que um dos ramos do direito passíveis de maior atenção e estudo é o que envolve a família. Isso porque, não se pode descurar que nessa importante seara se tratam variados interesses cuja apreciação exige do operador jurídico, além de talento e sabedoria, profunda sensibilidade e bom senso.

Aliás, inegável que se está tratando do Direito das emoções, aquele que envolve por vezes o trânsito dos afetos.

E nesse contexto, exsurgindo como uma micro-partícula de uma célula vigorosa que é o Direito de Família, situa-se o instituto da guarda.

Em visão simples pode se dizer que a guarda nada mais representa senão a “posse” sobre a criança ou adolescente e, em complemento, é viável referir que essa “posse” se qualifica com significados peculiares, atinentes ao carinho, à educação e todas as condições materiais de responsabilidade do guardião.

Ao que verdadeiramente importa a este singelo estudo, impera salientar que anteriormente à disciplina legal da guarda compartilhada, no caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual se observaria o que os cônjuges acordassem a respeito (ar. 1583/CC).

Mais que isso, seria a guarda atribuída a quem revelasse melhores condições de exercê-la (art. 1584 do CC).

Todavia, consoante a dicção da Lei n.º 11.698/2008, o novo  modelo de guarda vem assumindo contornos e feições de alguma distinção. Anota-se desde logo: um novo modelo ex vi legis.

Os artigos 1583 e 1584 do Diploma Civilista – após reiterada admissibilidade pela doutrina e jurisprudência – passam a prever a guarda compartilhada, aqui residindo o ponto de enlevo, o pico merecedor de destaque.

Releva notar, nesse cenário, que o conceito de guarda compartilhada merece ser suficientemente difundido e propalado para não gerar equivalência a institutos outros que em nada se identificam, como é o caso, por exemplo, da confusão com a nefasta guarda alternada.

Nas palavras precisas de uma das maiores autoridades do País em Direito de Família (ou das Famílias, como ela mesma prefere dizer), “guarda conjunta ou compartilhada significa mais  prerrogativas aos pais, fazendo com que estejam presentes de forma mais intensa na vida dos filhos. A participação no processo de desenvolvimento integral dos filhos leva à pluralização das responsabilidades, estabelecendo verdadeira democratização de sentimentos. A proposta é manter os laços de afetividade, minorando os efeitos que a separação sempre acarreta aos filhos e conferindo aos pais o exercício da função parental de forma igualitária” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 3ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, pp. 361/362) (grifos do original). 

Ou seja, a igualdade de condições na convivência dos pais separados com os seus filhos, com efetivas responsabilidades a cada genitor, se mostram balizas consolidadas dessa nova modalidade legal de guarda.

Diante desse contexto, não é temerário dizer que o filho praticamente poderá ter dois domicílios, bem podendo transitar de um lar ao outro, interagindo, agregando afetos e conselhos de modo mais igualitário em relação a ambos os pais.

De outro lado, diferentemente, a guarda alternada diz com o revezamento, com a própria alternância do filho, que, exclusivamente, ficaria por algum período de tempo na casa do pai, bem como outro período na casa da mãe (exemplo claro: um mês na casa de cada um), sem o convívio mais próximo e de repartição de responsabilidades mais frequentes entre os dois genitores. 

Diz-se nefasta essa espécie de guarda porquanto, sabidamente, os reflexos vivenciados pelo filho, na ordem psicológica, de regra são os mais prejudiciais.

Sem descurar tais linhas, sinale-se que ora se tem uma importante previsão legislativa a respeito da temática. Aliás, por força do que dispõe o art. 1584 do CC, a guarda compartilhada poderá ser decretada pelo juiz, atendidas as necessidades do filho ou em face da distribuição de tempo propício para o convívio daquele com o genitor e a genitora.

Entrementes, é imperativo que se evite a aplicação açodada do aludido instituto em situações em que inexista viabilidade conciliatória entre os genitores.

Torna-se a dizer: está se tratando do ramo do direito que envolve afetos e emoções.

Logo, em linha muito tênue se pode libertar ou acorrentar a alma da criança em traumas de difícil solução.

Por isso, forçoso o registro de que o legislador foi sábio em prever a interdisciplinaridade, de aplicação concreta em cada caso, denotando que o julgador não deverá estar sozinho na difícil tarefa de definição da guarda em forma de compartilhamento.

Palavrinha mágica nos tempos atuais, tem-se a multidisciplinaridade como um rico elemento para a solução dos litígios (notadamente na seara do Direito de Família), fazendo com que a Ciência Jurídica deixe de ser senhora soberana da verdade, cedendo lugar e espaço para interação, ao aperfeiçoamento de idéias, ao senso comum das ciências. Enfim, busca-se a solução mais eficiente na concretude do caso, utilizando-se de mecanismo de relevo, que tem se mostrado a  munição e a própria arma em batalhas desse cunho.

Utilizando-se de tais mecanismos, induvidosamente se aproximará da aplicação adequada ao interesse da criança –  objetivo maior da hipótese em exame. 

Com isso, o instituto da guarda, se por um lado tem como escopo regularizar uma situação de fato, por outro não deixa opaca a visão de que, além de uma figura jurídica, se revela um relevante esteio da formação do indivíduo, carecendo de toda a acuidade e zelo no seu trato.

De tudo se extrai, pois, que a evolução legislativa ora trouxe interessante suporte à solução de contendas familiares no tocante à guarda, permitindo que a efetiva igualdade, tanto na repartição da companhia dos filhos como das responsabilidades dos pais para com os mesmos, agregue maior união, consenso e felicidade às relações de afeto que envolvam o dilema entre a separação, o direito dos genitores de ficar na companhia dos seus descentes mais diretos e, sobretudo, a garantia a ser conferida a estes últimos de uma formação adequada em todos os aspectos. 

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