Artigos

03/10/2016 05:19

Análise pragmática em torno da moderna classificação das ações (parte 02).

(...)
“[...] Devo observar que não discuto a existência nem a relevância da condenação,
como disse Araken, enquanto juízo de reprovação, legitimamente expresso pela
sentença condenatória. Digo, apenas, que não existe no direito material uma
pretensão à condenação, de que possa resultar a correspondente ação de
condenação. A ação de cobrança (que é a mais típica ou comum desse gênero) não
tem por fim obter condenação, e sim obter pagamento. Meu raciocínio é de um
advogado forense: - quando o cliente procura-me outorgando procuração para uma
ação de cobrança, o que ele quer ver 'satisfeita' é sua pretensão a receber o
pagamento. A sentença de condenação será apenas uma 'estação intermediária', uma
sentença incidental, que deverá abrir a segunda etapa de uma mesma ação, que
deveria ser considerada 'condenatório-executiva', posto começar com a petição
inicial e encerrar-se com a entrega do numerário ao credor. Digo que existem
sentenças condenatórias, mas não ações (materiais) condenatórias, porque meu
conceito de ação de direito material deriva da concepção de Pontes de ser toda ação
uma atividade capaz (independentemente da colaboração do devedor) de realizar
minha pretensão. Isto a sentença condenatória é incapaz de fazer: - depois de
transitar em julgado a sentença de condenação, ainda dependo da boa vontade do
devedor que, espontaneamente, se quiser, cumprirá a sentença (art. 580 e respectivo
parágrafo único). Para que eu aceitasse a existência de uma ação condenatória no
direito material, exigiria que se concebesse uma ação somente condenatória,
suficiente para atender à 'reprovação' a que se refere Araken. Assim como a
declaração se basta-se assim como a constituição igualmente se basta; teríamos de
defender a existência de uma sentença condenatória que se bastasse, sem necessitar
do processo executivo. Neste caso, teríamos atendido a esse interesse identificado
por Araken como a 'reprovação'. Sobra a seguinte indagação: se, ao invés de
condenação, a ação for declaratória, tendo a sentença proclamado que o réu, por
haver-se conduzido ilicitamente é declarado culpado por indenização, não
estaríamos também em presença de um juízo de 'reprovação'? Por que seria
necessário, nesta sentença, acrescentar essa palavra mágica 'condeno', para que o
processo executivo se tornasse possível? Afinal, qual a diferença, no planos das
pretensões e ações de direito material entre o juízo declaratório e o condenatório?
Não seria, como disse Barbosa Moreira, a condenação um simples duplicado da
declaração? [...] (2005, p. 01).
De conformidade com o visto acima, em que momento se percebe a ação condenatória?
Ora, a partir do momento que ajo (materialmente falando) – no sentido de colher o patrimônio do
devedor – não há falar em condenação, a qual pressupõe que o obrigado possa, espontaneamente,
restituir-me.
O exame acima é tão claro e elucidativo quanto pragmático, pois acaba expressando, a
um só tempo, a aplicação da teoria na prática e a relevância da clarificação dos institutos nos
tempos hodiernos.
Além disso, mais um ponto a ser realçado e ainda pouco difundido é que a Classificação
Quaternária expressa justa e curiosamente a concepção de Pontes de Miranda. O assombro poderia
vir por não restar dúvidas de que o mesmo foi o precursor da Classificação Quinária. Contudo, basta
colher na exatidão os posicionamentos de Pontes e os adequar à correta forma de aplicação das
classificações – seguindo seus próprios escritos –, ao que se poderá tranquilamente excluir de vez a
ação “condenatória” do âmbito de classificação.
Sem confundir sentença condenatória – amplamente necessária ao processo – com ação
condenatória (a qual não encontra qualquer correspondência no plano material, no mundo dos
acontecimentos, na orbe dos fatos), mostra-se de rigor pautar pela precisão conceitual, galgando-se
foros de excelência no sentido da aplicação dos institutos.
Até mesmo porque, segundo é cediço, o valor maior, o valor-fim é a concretização da
Justiça. Mas essa não se realiza na plenitude passando por visão turva e obnubilada. Enquanto os
conceitos permanecerem opacos e despidos de clarificação se mostra de difícil aplicabilidade a
realização do justo, razão pela qual o descortinamento prático das teorias revelam profunda
confluência com os mais puros ideais.
Afastando-se da visão formal do processo, perquirindo-se a essência que permeia a
justiça e com os olhos voltados na correção dos institutos, pode-se ver que muitas vezes o que se
tem por relacionado ao mundo processual não corresponde a este âmbito.
A “ação” condenatória, vista da teoria à prática, de fato não corresponde ao mundo
material. Ao reverso, é criação da processualística, que por consequência não deve se enquadrar no
âmbito das classificações – as quais se limitam muito propriamente ao plano material.
As nuances do quotidiano revelam e comprovam esse fator, consoante visto acima. A
análise da teoria na prática demonstra que efetivamente se tem um novo contexto em torno da
classificação das ações que não pode passar desapercebido, merecendo amplo cotejo e reflexão.
Dessarte, o laço que se faz entre o teórico e o pragmático, com o direcionamento
voltado aos valores e à realização do justo, trazem um panorama de inovação a respeito da matéria,
deveras apaixonante, mas por vezes olvidada, que enseja a uma releitura dos institutos e das
próprias observações da lida diária.
Considerações derradeiras
Deambulando pela esfera das ações, mostrou-se inarredável, primeiramente, o cotejo
das principais teorias que as permeiam, desfechando na hipótese de classificação das ações
materiais, com as principais nuances que lhes são inerentes.
Como matéria sobejamente controvertida no decorrer dos tempos, a ação, conforme se
percebeu, ganhou foros de conceitos turvos. Configurou-se passível de críticas desde o período
romano, sendo constantemente aperfeiçoada até os tempos hodiernos.
Nessa linha, sempre se repisando a necessidade de encontrar a ação material de forma
apartada da “ação” processual, chegou-se a uma forma de classificar as ações, nunca esquecendo
que se viabilizam as classificações das primeiras (ações materiais).
Por conseguinte, do exame das principais classificações, chegou-se à moderna
Classificação Quaternária, ao que se nota a clarificação da inexistência de uma típica ação
condenatória na orbe do plano material.
Avançando-se na matéria, percebendo-se que a teoria, por mais bela que seja, merece
contorno prático e objetivo, visou-se a construir e identificar o afinamento pragmático que
realmente evidencia a inexistência da ação condenatória no plano material, trazendo-se exemplos
simples e do quotidiano, modo a arredar dúvidas e assentar a propriedade do mais atual
entendimento.
Destarte, o pragmatismo a reger a nossa concepção e interpretação do Direito deve
lançar suas luzes também através do prisma da moderna classificação das ações, ora sob um olhar
mais efetivo e de objetividade solar, de modo que se galgue a mais perfeita forma de adequar os
institutos aos casos que por vezes nos são transmitidos no mundo dos acontecimentos, com o que
somente assim será descortinado o justo e o sublime também no âmbito do processo.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Guilherme Rizzo. A polêmica em torno da “Ação de Direito Material”. Revista da
Ajuris. Porto Alegre: Ajuris, n.º 97, ano XXXII, março de 2005.
ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Sentença e coisa julgada. Rio de Janeiro: Aide. Ed. 1992.
ASSIS, Araken. Cumulação de Ações. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
____. Mensagem enviada por e-mail para <jdias@tj.rs.gov.br>, na data de 20 de abril de 2005.
BRASIL, Código de Processo Civil. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração
de Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 32ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2002.
CAVALCANTE DIAS, Jadison Juarez. O que é necessário saber (modernamente) sobre a
classificação das ações materiais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2009.
____. Reflexões acerca da classificação quaternária da ação. Gênesis: Revista de Direito
Processual Civil. n.º 40. Ano XI. Curitiba. Julho-dezembro de 2006.
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Volume 1. As relações
processuais. A relação processual ordinária de cognição. São Paulo: Editora Saraiva, 1969.
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido
Rangel. Teoria Geral do Processo. 8ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991.
HOMMERDING, Adalberto Narciso. Valores, Processo e Sentença. São Paulo: Ltr, 2003.
LIEBMAN, Enrico Tullio. Estudos sobre o Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Bestbook, 2004.
MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através
do processo de conhecimento / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgi Cruz Arenhart. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2001.
MITIDIERO, Daniel Francisco; ZANETI JÚNIOR, Hermes. Por uma nova teoria geral da ação:
As Orientações Unitárias e a Orientação Dualista da Ação. pp. 63/114. In Introdução ao estudo do
processo civil: primeiras linhas de um paradigma emergente. Porto Alegre: Fabris, 2004.
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Teoria e Prática da Tutela Jurisdicional. São Paulo:
Forense, 2008.
___, Do formalismo no processo civil. Proposta de um formalismo-valorativo. 4ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
___, O problema da eficácia da sentença. Disponível em <www.tex.pro.br>. Acesso em
29.06.2005, às 12h00min.
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das Ações. Tomo I, 2ª edição. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 1972.
___, Tratado de Direito Privado. Tomo V. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1970.
PORTANOVA, Rui. Motivações ideológicas da sentença. 5ª edição. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003.
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julgada Civil. Rio de Janeiro: Aide, 1996.
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1995.
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Sentença e coisa julgada; ensaios. 2ª ed. Porto Alegre: Fabris,
1988.
____. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 2ª ed. rev. São Paulo. Editora Revista
dos Tribunais, 1997.
____. A Ação Condenatória como Categoria Processual. In: Da Sentença Liminar à Nulidade da
Sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2001, pp. 233/251.
____. Curso de processo civil: processo de conhecimento, volume I. 6ª ed. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2002.
____. Mensagem enviada por e-mail para <jdias@tj.rs.gov.br>, na data de 14 de setembro de 2005,
às 14h40min.
SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 2ª edição. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva,
1993.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Sentença: direito processual civil ao vivo. Rio de Janeiro. Aide,
1991. 1ª edição.

Mais Artigos

  • Aguarde, buscando...