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03/10/2016 05:12

Análise pragmática em torno da moderna classificação das ações (parte 01).

ANÁLISE PRAGMÁTICA EM TORNO DA MODERNA CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES
1. Prolegômenos. 2. Da Ação. 2.1. Teoria Civilista da Ação. Polêmica
Windscheid versus Müther. 2.1.2. Teoria do Direito Concreto de Ação. 2.1.3
Teoria do Direito Abstrato de Ação 2.1.4 Teoria Eclética da Ação. 3. A ação e
o plano processual. 3.1. Direito subjetivo processual. 3.2. Pretensão à tutela
jurídica estatal. 3.3. “Ação” processual. 4. A ação e o plano processual. 4.1.
Direito subjetivo material. 4.2. Pretensão material. 4.3. Ação material. 4.4.
Classificação das ações materiais. 5. A classificação das ações e a carga de
eficácia das sentenças. 6. Classificação Trinária. 6.1. Ação Declaratória. 6.2.
Ação Constitutiva. 6.3. Ação Condenatória. 7. Classificação Quinária. 7.1.
Ação Mandamental. 7.2. Ação Executiva Lato Sensu. 8. Classificação
Quaternária da Ação. 9. Do aporte pragmático. 10. Considerações
derradeiras. Referências.
Resumo:
O progresso da classificação por que passaram e passam as ações materiais, com
a sua correspondente equivalência e carga de eficácia no processo civil, força o
estudo, hodiernamente, de alguns pontos merecedores de peculiar atenção, tanto
para se chegar às teorias passíveis de utilização, como para se alcançar o reflexo
pragmático das mesmas, facilitando, com vigor, a vida de quem maneja o
processo, ampliando-se as margens da visão e transcendendo rumos muitas
vezes obscurecidos.
Palavras-chave:
Ações Materiais – Teorias – Classificações – Sentença – Pragmatismo.
Abstract:
The progress of classification that are passed and materials stocks, with their
corresponding load equivalence and effectiveness in the civil case, force the
study, today, a few points deserve particular attention both to arrive at theories
may be used, how to achieve the reflection of the same pragmatic, facilitating,
with force, the lives of those who wield the process, expanding margins
transcending vision and direction often obscured.
1. Prolegômenos
Sabidamente, o Direito e as teorias que o permeiam só servem e apenas servem
quando podem ser alvo de adequada interpretação e aplicação. Nessa linha, o profundo pensar a
respeito da correção dos institutos conduz ao construir paulatino do entendimento que melhor se
amolde aos anseios de determinada época. É exatamente assim que também se perfectibiliza a
evolução do pensamento jurídico-processual, se acompanhado desde priscas eras até a
modernidade, desde o Direito aplicado por sacerdotes-juízes até a mais recente ordem jurídica
estabelecida.
A esse respeito se insere, de forma inarredável, o norte de progresso da
classificação por que passaram e passam as ações materiais, com a sua correspondente equivalência
e carga de eficácia no processo civil (ou a possibilidade curiosa de não equivalência no caso da
“ação condenatória”). Ocorre que hodiernamente alguns pontos são merecedores de peculiar
atenção em torno dessa temática, por vezes olvidada, tanto para se chegar às teorias passíveis de
utilização, como para se alcançar o reflexo pragmático das mesmas, o que facilitará, com vigor
hercúleo, a vida de quem maneja o processo, ampliando-se as margens da visão e transcendendo
rumos muitas vezes obscurecidos.
A tudo isso se soma o fato de que discorrer a respeito da ação, seja em sentido
processual ou material, bem assim no tocante às classificações, exige efetivamente acuidade
peculiar, pois as denominações em muito entremearam horizontes de névoa, trilharam caminhos
desnivelados e acabaram não raramente se baralhando, com o que – até hoje – se tem certa
dificuldade na adequada distinção dos institutos, os quais merecem ser amplamente difundidos,
cotejados e, sobretudo, clarificados.
Fincar marcos de clareza é, portanto, o ideal do intérprete. E alcançar o
entendimento prático e objetivo a que se destinam as teorias é, sem dúvida, uma das maiores
realizações nessa tortuosa trilha.
Então é que os questionamentos em torno da ação (v.g., o que é ação?) e das
classificações (o que significa classificar as ações? O que são as Classificações Trinária,
Quaternária e Quinária? Como se aplicam as Classificações? Qual a importância das mesmas? Qual
a carga de valor a ser conferido a essa temática?), bem assim as considerações práticas que
envolvem esse meandro, se evidenciam de relevância insofismável na atualidade, não apenas por
retratar a evolução do pensamento jurídico, mas precipuamente por refletir a própria essência que
liga o processo à eventual entrega do bem da vida.
Assim é que o examinador mais atento, após deambular pelo traçado que corta os
planos da ação (material e processual), verificará que a senda das classificações desfecha justamente
no âmbito material e que encontrará apenas correspondência no plano processual, pelas nominadas
cargas de eficácia da sentença.
A confusão atual reside justamente nesse ponto. Entender que a classificação das
ações (Trinária, Quinária e, modernamente, a Quaternária) passa pelo plano material e não
primeiramente pelo plano do processo. O que acontece é que ao final do processo, no caso tãosomente
de julgamento de procedência, se verificará que a entrega do bem da vida corresponde,
mediante carga de eficácia, a uma das classificações trazidas pelo plano material.
Por isso, para fins elucidativos, se pode até mesmo analisar a classificação das
ações deixando adormecida em primeiro momento a esfera do processo, o que virá a clarificar de
modo estreme de dúvidas como funcionam as principais diretrizes que contornam essa temática.
Compreendido esse exame, releva notar e antecipar que logicamente não se
pretende expungir a legítima atuação jurisdicional e tampouco afastar a utilização do processo como
meio adequado, próprio e muitas vezes inevitável para a solução dos litígios. O que se anseia,
repita-se, é elucidar pontos não raramente obscuros e que não se relacionam, na grande essência, à
esfera processual.
O liame material, portanto, ocorrerá ao fim e ao cabo do processo se houver uma
sentença de procedência, sendo certo que essa análise nem de longe retira a propriedade da
classificação das ações (materiais). O fato de a “ação” (processual) poder ser exercida mesmo por
aquele que não seja titular da ação (material) é algo que se explica pelo entendimento voltado à
formação da ciência do processo, com sujeitos que se diferenciam na estrutura.
Evidente que teorias atuais de não menos prestígio surgiram, ao entendimento de
maior efetividade, ignorando o modelo central da classificação das ações e priorizando o direito à
tutela do direito, em que se ligam os planos material e processual, privilegiando a atividade do
juízo. Esse ponderar certamente também é oportuno e louvável, mas em nenhum momento repele
ou tampouco mitiga a forma de se classificar as ações, cuja necessidade se mostra de relevância
insofismável.
Tanto é assim que situações do plano material eventualmente se solucionam sem
ter passado por um processo gerido pelo Estado. Em tais casos, todo o desdobramento da formação
do direito subjetivo, da pretensão e da ação em sentido material se realizaram e, por consequência,
podem ser alvo de classificação. Ou seja, não houve relação processual, mas a ação material,
estando presente, pode ser classificada conforme se verá no cotejo adiante.
Desse modo, desprezar a relevância da classificação das ações seria um tanto
quanto temerário, sendo oportuno ponderar o contexto atual em que essa temática se situa. Logo,
saber e entender se determinada ação é declaratória, “condenatória”, constitutiva, mandamental ou
executiva lato sensu, carrega a própria densidade onde repousa a essência da ação e se relaciona
estritamente com os reflexos do próprio bem da vida pretendido. Por conseguinte, avançar no tema
e ver o caráter prático e valorativo dessa ponderação abrirá as escotilhas do pensar com maior
propriedade.
Assim, passando por toda a conceituação que se mostra de rigor no caso em
apreço, de exame pragmático e pontual a respeito da classificação das ações, analisa-se a subdivisão
dos planos material e processual, adentrando à configuração das classificações, com o cotejo da
aplicação concreta no mundo dos fatos, desfechando-se no panorama abrangente do tema.
Por isso é que se busca a forma mais confortável de exame dessa intricada
matéria, ao que se procura transcender da teoria à prática, de conceitos muitas vezes de difícil
abordagem para a sua percepção no mundo dos acontecimentos, fatores que – aliás – guardam
relação com a própria lógica existencial de todo o sistema.
2. Da Ação.
É sabido que o conceito de ação foi se transmutando e recebeu contornos relevantes no
decorrer dos tempos, tanto que para Alessandro Pekelis, apud Araken de Assis (2002, p.55), impera
uma “confusão babélica” no que se refere às teorias da ação. Nessa linha, Assis, interpretando
Pekelis, prefere chamar essas repetidas contradições de um “invencível desacerto” (2002, p.55) - o
que denota a profundidade do tema e os dissensos que o permeiam.
Nesse compasso, percebe-se que houve intensa dificuldade em se delimitar definições
precisas acerca da ação, cumprindo ressaltar que, por vezes, confundiram-se nesse meandro as
esferas material e processual (ASSIS, 2002).
Assim, sem a pretensão de lançar nota em conteúdo aleatório, mostra-se fundamental a
análise das principais teorias e inovações em torno da ação, com o que se chegará, na sequência, ao
âmbito da classificação e, mais adiante, nas suas implicações práticas.
2.1. Teoria Civilista da Ação
É de consenso que a definição para a actio em sede de teoria civilista (também chamada
de imamentista ou clássica) passa distante ao que toca à “ação” processual, valendo as palavras do
insigne Tesheiner (1993, p.85) quando afirma que “a ação mal se distingue do direito subjetivo a
que visa assegurar”. Denota-se, nesses moldes, perfeita sinonímia entre a ação e o direito subjetivo
material.
Ou seja, essa teoria trata de modo único o direito subjetivo, a ação material e “ação”
processual. Contudo, o fato de a violação do direito ensejar à possibilidade do ingresso em juízo não
esgota essa matéria, sendo certo que outras teorias dão melhor guarida à verdadeira compreensão
entre a possibilidade de ingresso com a “ação” processual (direcionada ao Estado) e o que vem a ser
ação material, movida em desfavor do obrigado – conceitos que merecem nítida distinção
(CAVALCANTE DIAS, 2009, p. 03).
Por isso, em vista da dificuldade em distinguir a ação material, o direito subjetivo e a
“ação” processual, referida teoria foi paulatinamente sendo abandonada.
2.1.2. Polêmica Windscheid versus Müther
Ao prosseguir na senda da evolução histórica da actio, afigura-se necessário mencionar
a colaboração de Windscheid e Müther, os quais ao mesmo tempo em que esgrimaram diferentes
posições, acabaram por enriquecer o estudo em torno da ação.
Objetivamente, o acréscimo trazido por Bernhard Windscheid é de notoriedade
científica, mormente por definir a actio (romana) como direito material, sendo que, conforme seus
escritos, da violação ao direito subjetivo surgirá a pretensão a quem foi lesado (ASSIS, 2002).
Nada obstante, consoante J.E. Carreira Alvim apud Mitidiero (2004, p.69), “ao contrário
do que sustentava Windscheid, procurou Müther demonstrar que havia perfeita coincidência entre a
‘actio’ romana e a ‘Klage’ germânica”.
Nessa alheta, Müther conseguiu demonstrar, com nitidez, que a “ação” no plano
processual deve ser direcionada ao Estado, competente para a solução dos conflitos, e não mais a
quem tem por obrigação fazer frente ao cumprimento do direito material (MITIDIERO, 2004).
2.1.3. Teoria do Direito Concreto da Ação
Constatados os dissensos acima esposados, passa-se a registrar o surgimento da Teoria
do Direito Concreto da Ação, segundo a qual, “a ação é considerada concreta quando se sustenta
que seu exercício só pode desembocar em uma sentença favorável” (MITIDIERO, 2004, p.71).
Através desse prisma, releva notar que, especificamente em 1885, Adolf Wach,
notadamente através da obra Handbuch des Deutschen Civilprozessrechts, destoa da Teoria Civilista
da Ação e traz à baila a definição de ação como direito autônomo e concreto (MITIDIERO, 2004).
Nessa concepção, a ação seria o “direito público subjetivo de quem tem razão, a fim de que o
Estado lhe outorgue a tutela jurídica, mediante pronunciamento favorável” (TESHEINER, 1993, p.
91).
Entrementes, a explicação para a sentença de improcedência não encontra guarida, uma
vez que a referida “ação” processual seria exercida tão-somente pelo titular do direito subjetivo
material (BAPTISTA DA SILVA, 2002).
2.1.4. Teoria do Direito Abstrato da Ação
Para essa teoria, independentemente de existir, ou não, o direito subjetivo material (e,
posteriormente, a pretensão e a ação material), poderá o demandante buscar o amparo da tutela
jurídica junto ao Estado. Externa-se, dessa forma, como o Direito a uma resposta jurisdicional
mesmo daquele que não tem razão (CAVALCANTE DIAS, 2009).
Por essa via, não se pode olvidar a contribuição levada a efeito por essa teoria,
precipuamente em face da necessidade de vindicar o direito subjetivo em relação ao Estado
(subsequente “ação” processual), detendo-se, ou não, o direito material (MITIDIERO, 2004).
2.1.5. Teoria Eclética da Ação
Nem Teoria do Direito Abstrato, nem Teoria do Direito Concreto; ou as duas em uma
só. Eis a teoria criada por Enrico Tullio Liebman, nomeadamente Teoria Eclética da Ação
(MITIDIERO, 2004). Para conceituá-la, obtemperou Liebman (2004, pp. 97/98) que “do ponto de
vista processual, a ação é o direito ao julgamento do pedido, não a determinado resultado favorável
do processo”.
3. A ação e o plano processual
Com as observações traçadas alhures, importa conduzir o exame ao plano do processo,
desde o direito subjetivo, passando pela pretensão até alcançar a “ação”, colhendo assim a visão
panorâmica da temática.
3.1. Direito subjetivo processual
Na forma já adiantada, é de se pontuar que em matéria de Direito, assim como qualquer
outra ciência, as conceituações devem ser cristalinas, remansosas e estreme de dúvidas. Daí porque
ora se colaciona, especificamente no que toca ao direito subjetivo processual, as palavras de
Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (1972, p. 90), o qual grava:
'Direito de ação’, no sentido privatístico, é expressão que se deve evitar: há ação, se
há direito, ainda que de outrem, direito de ação é confusão entre ação e a ligação
dela ao direito. A confusão mais longe, porque, no direito público, se fala de direito
de ação (Klagrecht) como de direito subjetivo à tutela jurídica, a que corresponde a
pretensão à tutela jurídica, que, exercendo-se, suscita a ‘ação’. Ora, deduzindo-se in
iudicium, há direito deduzido, pretensão deduzida e ação deduzida; não há direito à
pretensão, nem direito à ação.
Portanto, o direito subjetivo público, como leciona Mitidiero (2004, p. 96), “enquanto
direito, não é ainda pretensão, tampouco, ação, com o que por si só, em sua estática, não tem o
condão de desencadear a atividade judicial, instaurando-se o processo”.
3.2. Pretensão à tutela jurídica estatal
Partindo dessas considerações do direito subjetivo processual, não há como, em sede de
melhor complementação do estudo, deixar de adentrar na esfera da pretensão à tutela jurídica
estatal, a qual surge ulteriormente àquele.
À guisa de elucidação, os ensinamentos de Baptista da Silva se demonstram, mais uma
vez, assaz esclarecedores, bastando referir textualmente as palavras daquele:
Diz-se pretensão de tutela jurídica a este poder atribuído a qualquer pessoa de exigir
do Estado a prestação da atividade jurisdicional, consistente não no auxílio que o
juiz possa dar àquele em favor de quem ele haja reconhecido a existência do direito
e julgado procedente o pedido, mas na simples atividade jurisdicional, mesmo que
esta conclua por negar ao interessado a proteção que o juiz daria se a situação que o
autor descreve no processo fosse verdadeira e não infirmada pela prova (2002, pp.
89/90).
Desse modo, extirpando dissensos acerca da pretensão à tutela jurídica estatal, é de se
afirmar que esta é a faculdade de exigir o direito subjetivo anteriormente visto, sendo certo que este
poder de exigir, para que surta resultados práticos, precisa de impulsos efetivos, necessita de agir
processual, o qual será melhor estudado posteriormente (Cavalcante Dias, 2006).
3.3. “Ação” processual
Percebida a abrangência da pretensão processual, resta prosseguir com a formação da
“ação” processual, a qual foi definida de modo eloquente por Pontes de Miranda. Nesse sentido,
argumentou referido Mestre:
A ação exerce-se principalmente por meio de “ação” (remédio jurídico processual),
isto é, exercendo-se a pretensão à tutela jurídica, que o Estado criou. Nem sempre é
preciso ir-se contra o Estado para que êle (sic), que prometeu a tutela jurídica, a
preste; nem, portanto, estabelecer-se a relação processual, na qual o juiz haja de
entregar, afinal, a prestação jurisdicional. A ação nada tem com a pretensão à tutela
jurídica” (1972, pp. 110/111).
Consequentemente, “aquele que exerce a ‘ação’ processual age, a parte adversa contra
quem a ‘ação’ é exercida defende-se, reage à ação do autor” (BAPTISTA DA SILVA, 2002, p. 89).
Logo, a entrada em movimento do autor, no que diz com a exigência feita ao Estado, para que este
lhe preste o serviço jurisdicional devido (tendo em vista que chamou a si a responsabilidade para
dirimir litígios), caracteriza uma flagrante “ação” processual (CAVALCANTE DIAS, 2009).
Dessarte, restam plenamente diferenciados os conceitos de direito subjetivo processual
(direito de se obter a tutela jurisdicional), pretensão à tutela jurídica estatal (poder de exigir o direito
subjetivo processual) e “ação”, em sentido processual (efetivo agir, vindicando do Estado a guarida
do direito material, mesmo em casos que não se possua, modo real, este) (CAVALCANTE DIAS,
2009).
4. A ação e o plano material
4.1. Direito subjetivo material
Satisfeitas as exigibilidades de conceituação acerca do direito subjetivo, da pretensão e
da ação no plano formal, elucidando-se importantes aspectos que rodeiam a “ação” processual, há o
mister de um cotejo acerca da ação material, bem como do direito subjetivo material e pretensão
que lhe são inerentes – matéria que se demonstra imprescindível ao tema, porquanto a classificação
das ações (ulteriormente analisadas) se referem ao plano material (por isso é lícito dizer:
“classificação da ação material”).
Assim, é recomendável começar pelo direito subjetivo material, bastando salientar,
precedentemente, que o direito objetivo estatui normas de conduta. Quando determinado fato se
amolda à regra jurídica (tais normas de conduta), pode-se dizer que houve fato jurídico. Via de
consequência, o direito subjetivo será a vantagem que alguém colherá desse fato (ASSIS, 2002).
De modo simplificado, portanto, pode-se concluir que o “direito subjetivo ‘é poder
jurídico de ter a faculdade’, sendo, pois, ‘meio jurídico para a satisfação desses interesses”
(Mitidiero, 2004, p. 89), ou ainda, que “a locução ‘ter direito’ se afeiçoa ao conceito científico exato
de ‘direito subjetivo’” (ASSIS, 2002, p. 76).
4.2. Pretensão material
Pontes de Miranda, da mesma forma que bem trata da perfeita definição de direito
subjetivo material, igualmente conceitua de modo peculiar a pretensão em sede de direito material,
assentando: “Pretensão é, pois, a ‘tensão’ para algum ato ou omissão dirigida a alguém. [...] Na
pretensão, o direito “tende” para diante de si, dirigindo-se para que alguém cumpra o dever
jurídico” (grifos originais) (1970, p. 452).
Na senda dessas linhas pautadas com precisão, Mitidiero ensina que “quando a
vantagem, a qual encerra o direito de alguém, é inatendida, resulta para o seu titular um poder de
exigir esta vantagem, sendo este poder de exigir algo, cientificamente, o conteúdo da pretensão
material” (2004, p. 89).
De tal forma, é de se entender que a pretensão material pode ir além do poder de
exercício, ou seja, poderá se constituir em exercício efetivo, sendo certo que, se este restar inexitoso
(sem a satisfação de quem ostenta aquele direito), daí abrir-se-á ensanchas à ação material
(MITIDIERO, 2004).
4.3. Ação material
Por consectário do direito subjetivo material e da pretensão material, tem-se a ação
material, que, segundo os delineamentos de Pontes de Miranda (1972, pp. 110/111):
Exerce-se principalmente por meio de “ação” (remédio jurídico processual), isto é,
exercendo-se a pretensão à tutela jurídica, que o Estado criou”. A ação exerce-se,
porém, de outros modos. Nem sempre é preciso ir-se contra o Estado para que êle
(sic), que prometeu a tutela jurídica, a preste; nem, portanto, estabelecer-se a
relação jurídica processual, na qual o juiz haja de entregar, afinal, a prestação
jurisdicional. A ação nada tem com a pretensão à tutela jurídica.
Através desse prisma, constata-se que a ação material surge em prol do titular do direito,
notadamente no momento em que o obrigado não satisfaz seu dever jurídico, ou, em caso de
pretensões realizáveis com atos positivos ou negativos, existe a interrupção de tal conduta (ASSIS,
2002).
Nessa esteira, salienta-se que a ação material, exsurgida após a configuração do direito
material e subsequente insatisfação da pretensão (nos moldes amplamente cotejados anteriormente),
é meio pelo qual se caracteriza o agir, efetivo, do sujeito ativo, em prol do que lhe está, pela norma,
assegurado (CAVALCANTE DIAS, 2006).
4.4. Classificação das ações materiais
Chegando-se à ação material, a qual não se pode confundir com a “ação” processual,
dadas as peculiaridades anteriormente descritas e demasiadamente repisadas, é necessário –
considerando as relações jurídicas através daquele prisma – adentrar ao instituto da classificação
das ações.
Embora a dificuldade de se delimitar com precisão o ponto histórico da gênese do
estudo da classificação das ações, Assis conseguiu explicitar, em mensagem enviada cordialmente
por e-mail:
A classificação pelos efeitos iniciou com W. Kish (Beiträge), que se perguntava o
que acontecia com a regra jurídica concreta, estabelecida na sentença, retornava ao
plano do direito material (rectius: das relações jurídicas e sociais litigiosas). E que
ela apanha dados do direito material. Um dos maiores erros, neste assunto, é perder
esta última noção (2005, p. 01).
Assim, tendo clara essa primeira ideia, é importante referir que a ação é classificada
segundo o respectivo quantum de eficácia. Logo, em acompanhamento às linhas traçadas
anteriormente, é de se mencionar (conquanto se demarque a necessária tautologia) que a
possibilidade de classificação existe somente no tocante às ações materiais. Registre-se e clarifiquese
a impossibilidade de classificar as “ações” processuais. O que se classificam, repise-se (e isso
nunca é demais repetir), são as ações materiais; e nesse sentido bem leciona Mitidiero (2004, p.
102), verbis:
Ao se examinar as classificações das ações de direito material (únicas que se prestam
à classificação, porque seus conteúdos advêm, justamente, da conformação jurídica
do direito e da pretensão aos quais se ligam, de suas estruturas íntimas, ao passo que
a “ação” processual não passa de veículo), deparamo-nos com três principais
orientações: a trinária, a quinária e a quaternária.
Dito isso, pode-se afirmar a existência de várias espécies de classificações, como a
Classificação Trinária (com surgimento na Europa), Classificação Quinária (amplamente difundida
por Pontes de Miranda aqui no Brasil) e a Classificação Quaternária (trazida, modernamente, por
Ovídio Araújo Baptista da Silva) – Mitidiero, 2004 –, embora ainda se tenha notícia da
Classificação Binária, advinda da Europa em período próximo ao da Trinária (PONTES DE
MIRANDA, 1972). Todavia, a análise mais acurada das classificações das ações dar-se-á adiante,
momento em que se verificará a subdivisão e a implicação de cada uma delas, dada a extensão da
matéria.
Dessarte, após verificar todo o transcurso das diversas concepções em torno da ação
material e da “ação” processual no decorrer dos tempos, assim como analisar as estritas definições
dos direitos subjetivos e pretensões a elas inerentes, chega-se à classificação das ações materiais.
5. A classificação das ações e a carga de eficácia das sentenças
Sabidamente, o ato sentencial pode, ou não, adentrar no mérito da causa. Logo, merece
se ponderar objetivamente que a sentença, quando atinge o mérito da causa e, mais que isso, quando
o mérito resulta em procedência, faz refletir ao mesmo tempo a carga de eficácia.
Por esse diapasão, Baptista da Silva deixa claro que “mérito é julgamento, apenas, de
procedência ou improcedência. A sentença de procedência, no entanto, poderá ter outras eficácias,
como partes de seu conteúdo” (1988, p. 311).
Não menos certo é afirmar que as eficácias da sentença (de procedência) correspondem
efetivamente à ação material vista anteriormente – daí exsurgem as classificações de ambas
(eficácia da sentença e ação material). Nesse sentido, Assis se demonstra objetivo ao lecionar:
A sentença de procedência, acolhendo o pedido formulado, produzirá a eficácia
ínsita à ação material, ou seja, o ato estatal concederá a vantagem, prevista no direito
subjetivo, que originariamente o titular alcançaria por intermédio do agir privado.
Logo, apesar de uma taxionomia processual, como as demais, porque considera a
demanda o seu fundamento, repousa ela, desenganadamente, no direito material
(2002, pp. 88/89).
Coadunando-se ao que se descreveu até então, releva notar a lição por demais
esclarecedora de Baptista da Silva, o qual afirma: “Esta classificação diz respeito às sentenças de
procedência, de modo que é ilusória a suposição de que ela seja uma forma apenas processual
de classificarem-se as sentenças”. (2002, p. 112) (grifamos).
Afastam-se, pois, eventuais óbices à compreensão afeta à correspondência da
classificação das ações materiais com a classificação das eficácias das sentenças de procedência,
sendo ambas imanente ligadas, transformando-se, pela regra, em institutos idênticos.
6. Classificação Trinária
Igualmente conhecida por classificação ternária, é a mais tradicional das classificações.
Estreita as suas ramificações em ação declaratória, ação constitutiva e ação condenatória –
construção germânica iniciada por Adolf Wach no século XIX (PORTO, 1996). De forma escorreita,
preleciona Mitidiero:
A doutrina dominante costuma apontar três possíveis eficácias de ações: a declaratória
(positiva e negativa), a constitutiva (positiva e negativa) e a condenatória. Tal
entendimento descende, como buscamos deixar claro em estudo anterior, da
compreensão da jurisdição como tutela meramente normativa possibilitada pelo
fenômeno da universalização da tutela condenatória (isto é, da actio romana e de seu
procedimento, o ordo iudiciorum privatorum), suprimindo-se quaisquer tutelas
interditais do campo de preocupação dos processualistas talhados pela tradição
jurídica romano-canônica (2004, pp. 102/103).
Araken de Assis complementa ao ensinar que “no direito continental prevalece, como
rememora Alfredo Buzaid, a classificação tripartida das ações (declaratória, condenatória e
constitutiva)” (2002, p. 91).
Considerando essas linhas, não se pode olvidar que, para se chegar a esse estágio de
acréscimo jurídico, houve vários óbices no decorrer dos tempos (alguns anteriormente analisados),
sendo certo afirmar que ainda hodiernamente tal entendimento não se demonstra pacificado,
embora, de modo geral, sua contribuição seja cristalinamente válida (ASSIS, 2002).
Destarte, é relevante enriquecer o presente estudo, subsequencialmente, com as espécies
de ações que são parte integrante da classificação trinária.
6.1. Ação Declaratória
O preciso conceito de ação declaratória encontra guarida no escólio de Pontes de
Miranda, que ensina com lucidez peculiar:
A ação declarativa é ação a respeito de ser ou não-ser a relação jurídica. Supõe a
pureza (relativa) do enunciado que se postula; por êle (sic), não se pede condenação,
nem constituïção (sic), nem mandamento, nem execução. Só se pede que se torne
claro (de-clare), que se ilumine o recanto do mundo jurídico para se ver se é, ou se
não é, a relação jurídica de que se trata. O enunciado é só enunciado de existência. A
prestação jurisdicional consiste em simples clarificação (1972, p. 119 – grifos
originais).
De forma também escorreita, Mitidiero leciona que “seja como for, nesse espectro de
compreensão, à declaração calha o objetivo de gerar certeza jurídica. Persegue-se o sim ou não”
(2004, p. 103). Ainda, Tesheiner, tratando da sentença declaratória (relembre-se a correspondência
entre ação material e eficácia da sentença), nos ensina: “O estudo da sentença declaratória,
contraposta à sentença de condenação é que levantou o problema da classificação das sentenças
pelo critério de seus efeitos, relegando-se para um segundo plano as classificações tradicionais”
(1993, p. 145).
Assim, não restam dúvidas acerca do caráter de clarificação da ação declaratória, a qual
tem por fito principal firmar a existência, ou não, de determinada relação jurídica de direito
material, nos moldes analisados acima.
6.2. Ação Constitutiva
Conforme Assis, “a ação constitutiva implica mudança (criação, modificação ou
extinção) na relação jurídica” (2002, p. 95). Sabe-se que, “de regra, a ação constitutiva prende-se à
pretensão constitutiva, res deducta, quando se exerce a pretensão à tutela jurídica” (PONTES DE
MIRANDA, 1972, p. 120).
Para tanto, “o titular da ação age para a constituïção (sic), a que tem direito, ou por ato
próprio (direito de denúncia, direito de resolução), ou através de ato judicial (sentença), ou de outra
autoridade que o juiz” (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 120, grifo do original).
Por força de a ação constitutiva ter a possibilidade de criar ou extinguir a relação
jurídica, acrescenta-se que aquela pode constituir ou desconstituir, apresentando sinais positivos ou
negativos. Quando positivos se dizem constitutivas positivas, quando negativos, chamam-se
constitutivas negativas (SILVA, 2002).
A ação constitutiva, pois, vai além da declaração, podendo, conforme referido, criar,
modificar, ou extinguir dada relação jurídica, sem carecer de provimento executório superveniente.
6.3 Ação Condenatória
Noutra feita já alertou Araken de Assis: “De todas as eficácias tradicionais, a que se
oferece mais enigmática ao estudioso é a condenatória. A natureza da antiga fórmula (condemnatio)
a todos atormenta, grassando divergências intensas” (2002, p. 96) (grifo original).
Baseando-se nisso, é de concluir que os dissensos acerca dessa classificação recebem
plausibilidade. Antes, porém, é de bom alvitre constatar as definições mais elucidativas a respeito
da ação condenatória.
Das palavras de Porto, verifica-se que “na ação de natureza condenatória, pretende o
autor impor uma sanção ao demandado. São exemplos clássicos as ações de indenização em geral
[...]” (1996, p. 24). Enquanto para Pontes de Miranda,
a ação de condenação supõe que aquêle (sic) ou aquêles (sic), a quem ela se dirige,
tenham obrado contra direito, que tenham causado dano e mereçam, por isso, ser
condenados (con-damnare). Não se vai até à prática do con-dano; mas já se inscreve
no mundo jurídico que houve a danação, de que se acusou alguém, e pede-se a
condenação. À ação executiva é que compete, depois, ou concomitantemente, ou por
adiantamento, levar ao plano fáctico o que a condenação estabelece no plano jurídico.
(1972, pp. 121/122).
Por isso se pode dizer que a sentença de condenação, “além de afirmar devida pelo réu
uma prestação (elemento declaratório da sentença), cria, para o autor, o poder de sujeitá-lo à
execução” (TESHEINER, 1993, p. 148).
Delimitadas tais conceituações, ainda é relevante mencionar que a sentença
condenatória, considerada por seus efeitos, possui força capaz de ensejar, em etapa posterior, a ação
executória, embora não possua, no ato de seu pronunciamento, a força de transformação física como
ocorre na executiva (ASSIS, 2002).
Desse modo, sendo certo que a ação condenatória se demonstra digna de intensos
dissensos (Assis, 2002), sendo melhor explicada, unicamente, a sentença de condenação, resta por
ora firmada a definição, até porque a sua implicação como categoria meramente formal será melhor
analisada no próximo capítulo, atendendo assim à análise necessária da classificação quaternária.
7. Classificação Quinária
Conforme Porto (1996), a classificação trinária das ações por muito tempo transitou
exclusivamente no campo do direito brasileiro, sendo que a partir de Pontes de Miranda – o qual
questionou os limites daquela – surgiu o propalado embasamento da classificação quinária das
ações segundo as respectivas eficácias. Esclarecendo um pouco mais acerca dessa teoria, Mitidiero
explana:
A classificação quinária das ações, vocacionada a retomar as formas de tutelas
interditais dentro do direito moderno (que restaram obscurecidas pela
universalização do binômio actio-condemnatio, verdadeiro paradigma do sistema do
Código de 1973, ao menos em sua primitiva concepção), acresce àquelas três dantes
mencionadas mais duas: as cargas mandamental e executiva lato sensu (2004, p.
104) (grifos originais).
Aqui se deixa claro o acréscimo de mais duas classificações das ações segundo as cargas
de eficácia. Nesse sentido, estando bem identificada a Classificação Trinária (conhecida por
subdividir as ações em declaratórias, condenatórias e constitutivas), sobressai no Direito Pátrio uma
outra forma de se pensar as classificações, acrescentando-se as ações mandamentais e as ações
executivas lato sensu àquelas três anteriormente descritas.
Dito isso, passa-se por conseguinte à verificação um pouco mais pormenorizada das
ações mandamentais e das ações executivas lato sensu, nunca perdendo de vista que as outras três
(declaratória, constitutiva e condenatória – que também fazem parte da classificação quinária) já
foram antes analisadas.
7.1. Ação Mandamental
No que tange à ação mandamental, de forma escorreita, pela lição do insigne Araken de
Assis tem-se que “o mandado, incrustado no núcleo da sentença, irradia efeitos bem discerníveis,
em razão de inerente caráter estatal” (2002, p. 101). No ponto, auxiliando a clarificação, Silva e
Gomes ensinam:
A sentença, ao invés de simplesmente condenar o réu, para que a execução forçada se
faça noutro processo, à semelhança das executivas vai mais longe e, desde logo,
torna efetiva a pretensão formulada pelo autor vitorioso, independentemente também
de um processo subseqüente de execução forçada. Destas últimas, contudo – das
executivas –, diferem as mandamentais em ponto fundamental relativo à qualidade
de sua eficácia preponderante” (2000, p. 267).
Essas são as proposições que devem permanecer esclarecidas no que respeita à ação
mandamental (forte no mandado oriundo da autoridade judicial, com a possibilidade de satisfazer de
plano a pretensão do autor), considerando ainda que “a sentença mandamental é caracterizada por
dirigir uma ordem para coagir o réu; o seu escopo é o de convencer o réu a observar o direito por
ela declarado” (MARINONI, 2001, p. 440).
7.2. Ação Executiva Lato Sensu
Mais uma classificação acrescentada por Pontes de Miranda, complementando, assim, o
pleno diferencial em relação à Classificação Trinária das ações. A respeito, diz Sérgio Gilberto
Porto:
Representa a possibilidade de que ações integrantes do processo de conhecimento
tragam em si embutida a capacidade executória” (1996, p. 25). Significando que
“existe um determinado tipo de demanda na qual o juízo, ao reconhecer a
procedência da postulação, determina, desde logo e independentemente de qualquer
outra providência por parte do autor, a entrega do bem da vida que é objeto da lide”
(PORTO, 1996, p. 25).
Certamente, “a ação executiva é aquela pela qual se passa para a esfera jurídica de
alguém o que nela devia estar, e não está” (PONTES DE MIRANDA, 1972, p. 122). E, em
decorrência, completa o mesmo Mestre: “Segue-se até onde está o bem e retira-se de lá o bem (exsequor,
ex-secutio). No definir títulos executivos e em apontá-los, o direito material reputa-os
suficientes para comêço (sic) de execução (cognição incompleta). É comum às sentenças
condenatórias que passam em julgado terem em si elementos de cognição completa para a
execução, salvo lex specialis” (1972, p. 122) (grifos originais).
Portanto, diferentemente da ação condenatória (observe-se que se verificará na
sequência a verdadeira inexistência da ação condenatória no âmbito material, embora seja a mesma
considerada para os defensores da Classificação Quinária), a executiva lato sensu visará a entregar
efetivamente o bem da vida – se utilizando para isso dos atos executórios forçados –, não
unicamente preparará, obviamente, a execução posterior (SILVA e GOMES, 2000).
8. Classificação Quaternária da Ação
Eis a Classificação Quaternária da ação, teoria trazida por Ovídio Araújo Baptista da
Silva (2001), a qual, afastando-se um pouco da Classificação Quinária proposta por Pontes de
Miranda, demonstra inovações deveras interessantes ao mundo jurídico, configurando, quiçá, o
mais adequado modo de pensar as classificações das ações no âmbito do Processo Civil Brasileiro.
Consoante lecionou Mitidiero, “a classificação quaternária tem por desiderato
demonstrar que toda a teorização acerca da natureza da ação condenatória fora coisa vã, posto que
esta, materialmente considerada, inexiste” (2004, p. 106).
Nota-se que Ovídio Baptista não recusou as outras propostas de Pontes de Miranda
(como as ações mandamentais e executivas, mantendo ainda as tradicionais declaratórias e
constitutivas), ressalvando-se que, além do afastamento da ação condenatória (do âmbito material),
também subdividiu as ações executivas em reais e obrigacionais.
9. Do aporte pragmático
Sabe-se que a grande inovação trazida pela moderna classificação quaternária vem
expressa em considerar a ação condenatória como categoria meramente formal; ou seja, entende-se
que a ação condenatória em momento algum pode ser classificada como ação material, porquanto é,
unicamente, previsão formada pela ordem processual. Nesse sentido, Ovídio Araújo Baptista da
Silva, de modo peculiarmente esclarecedor, revela o seguinte:
A finalidade da presente exposição é investigar alguns aspectos conceituais da
sentença condenatória, procurando mostrar que essa categoria, embora estando
ligada a Direitos das Obrigações, é uma criação do direito processual que não
encontra – enquanto ação – correspondência no direito material, sob a forma de
uma pretensão e a respectiva ação que lhe corresponda” (2001, p. 233).
O mesmo Doutrinador, nessa linha, ensina que as sentenças com cargas de eficácia
declaratória, constitutiva, executiva ou mandamental correspondem limpidamente às pretensões e
ações de direito material, enquanto, por outro lado, a sentença condenatória não encontra no plano
material uma pretensão e subsequente ação de condenação, porquanto é um instituto concebido
apenas pelo direito processual (SILVA, 2001).
Todavia, deve-se estabelecer que, conquanto inexista ação condenatória (campo
material), não se pode afastar a necessidade das sentenças condenatórias – embora estas não
advenham pela correspondência com a ação condenatória (SILVA, 2001). Através desse prisma,
entende-se o seguinte:
No plano do direito material, o titular do direito (verdadeiro titular, porque no direito
material não existem os falsos titulares de direito) pode exigir (exercer pretensão) do
destinatário do dever jurídico que ele declare, crie ou desfaça uma certa relação
jurídica, execute ou cumpra ordens, derivadas de exercício regular do direito, porém
não haverá lugar para que ele exija do devedor um certo comportamento que se possa
identificar como o exercício ou o resultado de uma condenação (SILVA, 2001, p.
233) (grifos originais).
Assim, esclareça-se que essa teoria, embora negue a correspondência da ação material
condenatória com a subsequente carga de eficácia condenatória, firma que: com base na relação
obrigacional originar-se-á a sentença condenatória, mas sem se afastar da ideia de que tão-somente
o direito processual irá conter tal eficácia (CAVALCANTE DIAS, 2009). Desse modo, em
momento suficientemente elucidativo, Baptista da Silva delineou, in verbis:
Haveremos, portanto, de classificar as ações não em cinco classes, como o fez Pontes
de Miranda, mas em quatro – declaratórias, constitutivas, executivas e mandamentais
– posto que esta, como as demais classificações possíveis, referem-se às ações de
direito material” (2001, p. 234).
Certamente, a passagem acima foi a que melhor demonstrou o distanciamento de Ovídio
Araújo B. da Silva (2001) da Classificação Quinária de Pontes de Miranda (1972), do qual até então
se evidenciava seguidor.
No entanto, nesse ponto (ação condenatória), Silva (2001) diverge de plano de Pontes
de Miranda, expressando que o mesmo claudicou ao explicar o conceito daquela e que até mesmo
se tornou redundante ao afirmar que a ação de condenação é pretensão à tutela jurídica contra quem
causou dano a outrem. É justamente rebatendo esse posicionamento de Pontes que preleciona:
Ora, nem só pelas condenatórias, efetiva-se a proteção jurisdicional contra o dano.
Pode haver dano a que corresponda pretensão de outra espécie, até como pressuposto
para as constitutivas, especialmente negativa. Para limitarmo-nos a um exemplo,
colhido ao acaso: a fraude contra credores pressupõe dano, mas a pretensão não
é condenatória. Depois, ao dizer Pontes que, para que a condenatoriedade se fizesse
presente, seria necessário que o autor não se excedesse no pedido, a ponto de ‘forçar’
o demandado a ‘executar’, estava a propor solução ao problema conceitual da
condenatória contrária a seus próprios ensinamentos, sabido como é que a sentença
condenatória não “força” o condenado a nada, especialmente a ‘executar’ (SILVA,
2001, p. 237) (Grifamos).
Desse modo, Silva observa o esquecimento de Pontes, assim como do resto da doutrina,
que definem a ação condenatória pelo conceito material, sempre assentando, por outra via, os
efeitos da mesma. Ou seja, como alegam de regra que “a condenação, indefinível em si mesma,
somente é capaz de ser explicada por seus efeitos, declaratório e executivo” (SILVA, 2001, p. 238).
Por isso se vai além, busca-se a conceituação histórica, sem se descurar da dicotomia:
ação material x ação processual, de modo a se chegar claramente no entendimento de que a ação
condenatória inexiste, embora se perdure e necessite, no atual sistema processual, de sentença
condenatória (não confundir sentença condenatória com ação condenatória – a primeira existe e se
mostra necessária no âmbito processual, a segunda é ficção de corte processual, merecendo ser
desconsiderada por não se mostrar presente no âmbito material) (CAVALCANTE DIAS, 2009).
Nesse compasso, verifica-se que é temerário falar em exercício de ação quando se trata
da condenatória. Isso porque não se tem exercício de ação, mas tem-se, isto sim, exercício de
pretensão, porque com a pretensão unicamente se tem o poder de exigir o direito (perfeitamente
como ocorre com a condenatória), não se está a agir efetivamente (SILVA, 2001).
Assim, repisa-se o que se disse anteriormente, no sentido de a sentença condenatória
expressar de modo único e absoluto o exercício de uma pretensão (material) – nunca o exercício de
uma ação –, tendo em vista, mormente, que a distinção entre aquela e as demais sentenças é que as
outras correspondem efetivamente às ações de direito material, enquanto a condenatória deixa de
satisfazer qualquer coisa (SILVA, 2001).
Daí que nos serve ponderar, para os fins pragmáticos, que o processo é, inevitavelmente,
um instrumento dissociado do plano material. Por mais próximos que possam e devam andar, não se
pode perder a noção de que se está diante de planos distintos.
Se por um lado – óbvia e definitivamente – o processo precisa, necessita, carece atingir
o fim principal que é a realização do justo, não menos certo seria afirmar que é instrumento
distinto do plano material. Se por vezes andam lado a lado, se não raras vezes o processo acaba por
transmitir a efetiva realização do direito e da ação na forma material, não se pode esquecer jamais
que não há sinonímia em tal contexto.
Esquecer dessas diferenças, cedo ou tarde, retrocederia ao entendimento tendente ou
próximo à teoria civilista (por demais criticada e arredada na atualidade pelos motivos já
elencados). De forma penosa, no decorrer dos tempos, se galgaram conceitos de maior excelência e
significado, chegando-se à perfeita distinção dos planos e se captando a utilidade da classificação
das ações, fatores que merecem realce e revigorado prestígio.
Logo, se os institutos são diferentes e dessas diferenças não se pode descurar, e se a
carga eficacial da sentença somente corresponde ao plano material (pois somente as ações materiais
se classificam), logicamente que se deve atentar de forma muito própria quanto à inexistência de
ação condenatória.
Desse modo, em visão muito simples, podemos comparar e/ou identificar a ação como o
objetivo visado. Ou seja, quando se ajuíza uma ação de cobrança, pretende-se ver o demandado
condenado, ou se quer propriamente executar para ver o crédito satisfeito? Quer-se uma sentença
que tem força de pretensão, ou se quer receber valores?
Lembre-se que não se está a desmerecer a sentença condenatória. Como dito, pelo atual
estágio jurídico-processual, mostra-se necessário uma sentença de condenação para o subsequente
deslinde executivo. Mas tal sentença jamais coincidirá com a ação do plano material a ponto de se
afirmar que existe uma ação condenatória (mais uma vez, sempre vale rememorar: classificam-se as
ações materiais e no plano material não existe condenação).
Aliás, se a pretensão se esgotasse na condenação, teríamos uma “meia” ação, o que é
inadmissível, pois ela (a condenação), por si, satisfação alguma representa. A correspondência dos
planos deve, e precisa, ficar clara ao profissional do Direito. Quem, em sã consciência, gostaria de
um mero provimento condenatório, se não fosse a ficção jurídico-processual de este provimento
ensejar à futura execução? Isoladamente, qual seria para o credor a eficácia da sentença
condenatória?
In casu, avança-se para, de forma exclusiva, elencar alguns pontos trazidos pelo
saudoso Ovídio Araújo Baptista da Silva, doutrinador de escol, estudioso e conhecedor como
poucos da obra Pontiana, que por intermédio de mensagem por e-mail clarificou a matéria com a
nitidez que lhe era peculiar, concepção que ficará guardada na retina e na memória, servindo ao
aperfeiçoamento do Direito e se constituindo como base às futuras gerações. Senão vejamos:
(continuação na segunda parte...)

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